segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Orientações budistas na refeição.



TODA REFEIÇÃO É COMUNHÃO
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Comer está listado entre nossas necessidades básicas. E, como a maioria das necessidades básicas, é algo que muitas vezes fazemos sem prestar atenção. No entanto, a maioria das tradições espirituais tem usado as refeições e a alimentação como uma oportunidade de desenvolvimento e de treinamento – e a chave para isto está em prestar atenção.
Vamos, então, falar um pouco dessa atenção. O que significa prestar atenção na alimentação? Significa vários níveis diferentes de atenção. Eu posso me dedicar a exercer cada um deles – ou todos, simultâneamente.

Para simplificar, vamos pensar em uma sequência temporal: antes, durante e depois da refeição. E vamos considerar as práticas que podem ser adoptadas em cada uma dessas etapas.

1 – O que vou comer.
Escolher o alimento é exercer o direito de escolher a própria vida em seu nível mais material, mais "dramático", eu diria.
Ao escolher o que como, estou escolhendo, deliberadamente, introduzir determinados elementos no meu organismo. Isso significa, também, escolher as consequências da ingestão desses alimentos. Se escolho uma dieta rica em gorduras, escolho entupir minhas veias.
E o que isso tem a ver com prática espiritual?
Qualquer prática começa pela atenção, pela consciência. Se quero ter consciência, tenho que observar meus actos – especialmente aqueles mais fundamentais. Assim, acompanhar o que se come é, sim, uma prática espiritual.
Experimente fazer o seguinte: durante algum tempo, anote o que come, quando come. Anote o que sentiu e o que o levou a comer. Observe se come por fome ou por mero hábito. Isso lhe dará um bom balanço de como você lida com uma das áreas instintivas mais básicas de sua vida. Irá permitir que você conheça melhor a si mesmo – a base de todo conhecimento.

2 – Quando estou comendo
Enquanto estou comendo, estou realmente comendo?
A pergunta parece meio maluca, mas é importante. Nesse nosso cotidiano corrido, poucas pessoas estão "presentes" nas próprias refeições. A boca come, mas a cabeça "viaja" nos problemas, nos sonhos.
Ao fazermos isso, estamos perdendo o sabor dos alimentos, suas cores, o momento que vivemos. E nossa vida é a soma dos momentos. Portanto, estamos jogando nossa vida fora.
O mestre budista Thich Nhat Hanh destaca a importância vital de estar presente no ato de comer, ao afirmar que "comer consciente é uma importantíssima prática de meditação". Em um de seus artigos no livro "Paz a Cada Passo", sugere, inclusive, uma meditação denominada "A meditação da tangerina", que se constitui no ato simples e fácil de comer uma tangerina com atenção.
Eu disse "simples e fácil"? Pois tente fazê-lo. Ao procurar fazê-lo você poderá ter uma medida de quanto organizada – ou desorganizada – anda sua atenção. Mas, mesmo que não consiga prestar atenção no ato de comer por mais de dois segundos, não desista. Insista. Preste atenção ao se alimentar.

3 – Depois de comer.
E depois de comer, que prática é possível?
Para alguns, a prática do agradecimento. Pense na cadeia de seres que trouxe esse alimento até você. Pense nesse alimento que está se tornando você. E se sinta grato.
Para outros, esse pode ser o momento de uma nova prática de atenção – que se relaciona directamente com a primeira prática citada, a da atenção ao que se escolhe comer. Observe como se sente após cada refeição. Registre, se quiser, suas reacções. Alimentos diferentes provocam sensações diferentes. Só que estamos tão pouco treinados a prestar atenção que nem desconfiamos disto. Só percebemos quando algum alimento nos causa uma reacção muito dramática, como uma alergia.

Entretanto, os alimentos podem ser nossa farmácia natural e nosso apoio nas práticas – se observarmos como reagimos a eles. Um exemplo: para algumas pessoas (e eu me incluo entre elas) alface dá sono e relaxa. Se você se conhece e sabe disso, pode usar alface como seu relaxante natural.
Na alimentação, como em tudo, vale o preceito "Conhece a ti mesmo". E não vamos acreditar que ele valha só para assuntos "espirituais" e menosprezar o conhecimento de nossos actos cotidianos, nossas necessidades básicas. Pois tudo, absolutamente tudo é espiritual. Comer é espiritual. Costumo dizer que toda refeição é comunhão: comigo mesmo, com meu corpo, com os seres que trouxeram o alimento até mim, com os alimentos que consentiram se transformar em mim (pois é isso que acontece quando os ingiro – eles se transformam em minha energia.). Temos, portanto, inúmeras oportunidades de comungar diariamente.
Devemos usa-las bem.


encontrado em "Feminino Plural"


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