Escravidão com novo nome: conforto
O conforto se tornou uma espécie de deus da sociedade do consumo. Obviamente, não vivemos sem algumas doses de conforto.
Seria anormal afirmar o contrário.
Entretanto, há uma dimensão preocupante desses tempos: o conforto que escraviza.
Quando esse tipo de situação acontece, estamos condenados a saciar uma fome que nunca acaba.
Guimarães Rosa dizia: “o animal satisfeito dorme”.
A satisfação (entendida nesse contexto como conforto paralisante) carrega consigo os germes da escravidão.
A mistura dessas “substâncias” é feita assim: a tirania absurda dos desejos, aliada aos apelos constantes, insistentes e manipuladores dos apóstolos do marketing, gera uma estranha obsessão por um “status quo” enganoso, uma espécie de malandragem existencial.
Buscamos no conforto o que ele não pode produzir: paz!
Engana-se muito aquele que acredita haver paz no conforto.
Não é por acaso que, uma das mais conflitantes sensações da experiência humana seja o tédio. A posse sem desejo. Essa sensação é visita constante dos que moram nos palácios. Parece até uma forma de ironia/compensação cósmica: quanto mais estrelas você alcançar, mais tédio sentirá.
A chamada “sabedoria popular” trata esse “fenômeno” como “gente que tem tudo, mas não tem nada”. O gosto amargo da decepção.
Giordano Bruno disse: “todas as coisas são feitas de contrários, razão pela qual não podemos experimentar nenhum prazer que não seja mesclado de amargura”.
Bendito seja o tédio!
Algumas das pessoas mais amarguradas que conheço são as que vivem em função da manutenção de suas zonas de conforto.
Jung chamou o vazio e a falta de sentido de “neurose geral moderna”. Gente que trabalha noite e dia no afã de possuir tesouros, mas não usufrui deles.
Não experimenta a alegria de ver o crescimento dos filhos. Gente que não sabe o que é desfrutar o prazer de uma caminhada pelo parque. Gente que não vive, tenta sobreviver. Tudo em nome desse tal “bem estar”, ou “realização financeira”, ou ainda, “conforto”. Leões enjaulados. Crianças impedidas de brincar.
A constante exposição da mídia de uma espécie de “padrão perfeito de ser”, acaba gerando uma corrida em busca de adequação a esse “estilo de vida”.
São os encarcerados pela epidemia midiática, a nova forma de escravidão. É aqui que se forma o gueto dos semideuses.
À margem disso, uma gente tida por louca segue tentando driblar o caos proposto. Gente que acredita na vida, na arte, que não dispensa um fim de tarde, come chocolate lambuzando os dedos, insiste em se elevar para além dos muros da mediocridade.
Gente que não fabrica sorrisos.
Devemos lutar por conforto, mas não podemos nos vender a ele. Sejamos senhores do conforto, ou, então, seremos seus escravos.
Não é só uma questão de escolha, mas de sobrevivência. Não podemos amordaçar a alma em favor das “delícias” recheadas de cicuta, que a satisfação propõe.
Que o nosso conforto seja honesto. Que ele não ameace o mundo. Que não colabore com a destruição do planeta, tornando cinza a nossa Casa Azul.
Que o nosso caminho histórico seja pleno das realizações humanas, para que, confortavelmente, possamos dizer: “deixamos marcas não somente porque produzimos muito, mas também porque nos recusamos a destruir a vida”.
“A virtude de um homem é o que o faz humano”. (Aristóteles)
Prof. Arlindo Gonzaga
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