quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Deus


Deus, por Alberto Caeiro

(...)
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me,
Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos de quem, por não saber o que olhar para as coisas,não compreende quem fala delas com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores, é que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontâneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.
.
O Guardador de Rebanhos
Alberto Caeiro

2 comentários:

  1. Conheço alguns textos de Alberto Caeiro (de quem gosto muito), mas este ainda não conhecia.
    Achei fabuloso, já valeu a pena vir cá hoje :)

    Beijinho*

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