Nossos ouvidos recebem de forma negativa a palavra individualismo porque a confundimos com egoísmo, um vício que condenamos mesmo quando vive dentro de nós.
Porém não é bom aceitar como verdade absoluta tudo o que aprendemos na infância.
Convém reflectir a respeito daquilo que pensamos saber.
O individualismo está relacionado à individualidade, ou seja, à capacidade de se reconhecer como unidade, ainda que integrada a um contexto maior – a família, o país, o planeta.
Somos indivíduos com peculiaridades próprias, uma parte única em um universo composto de pessoas diferentes que partilham interesses comuns.
O individualismo considera legítimo cuidar dos próprios interesses – o que não significa, em hipótese alguma, prejudicar os direitos daqueles que nos cercam.
O individualista tem uma noção clara dos seus limites.
Sem essa consciência da fronteira que separa os direitos alheios dos seus, ele não conseguiria se distinguir do todo e perderia seu individualismo.
Nossa sociedade valoriza intensas trocas de sentimentos e idolatra as pessoas que se doam sem medida e incondicionalmente.
Então, o individualista, que não se entusiasma em trocar, é visto com reservas.
Trata-se de alguém que não espera muito dos outros e prefere dar pouco de si.
Esse comportamento não é egoísmo, embora as pessoas cujas expectativas ele deixa de atender o vejam dessa forma.
Egoístas são os que defendem profundas trocas de experiências entre as pessoas para tirar vantagem, já que exigem muito e dão pouco.
Como não sobrevivem sem isso, acusam de egoísmo quem não aceita as regras desse jogo de dar muito e receber pouco.
O alvo em geral são os individualistas, que não se prestam a esse tipo de manobra.
Aos egoístas não resta outra saída a não ser se aproveitar dos generosos – aqueles que não se importam em receber muito menos do que seu empenho em doar mereceria.
O egoísta diz “eu me amo” e gosta de apregoar que consegue suprir as próprias necessidades e ficar bem consigo mesmo.
O objectivo desse discurso é esconder a vergonha que sente de sua total dependência – de atenções, de protecção, de companhia.
Se fosse independente de fato, não precisaria tirar vantagem dos relacionamentos.
Na verdade, gostaria de ser individualista, de ter força suficiente para bastar a si mesmo, de aguentar com dignidade as dores inerentes à vida, de poder escolher entre trocar ou não experiências.
O individualista possui essa força, enquanto o egoísta o imita exibindo uma energia que não possui.
Por isso, o egoísta se apropria daquilo que não lhe pertence: precisa guardar uma cota extra para suprir sua incompetência em lidar com a vida.
Faz isso não porque seja mau-carácter, mas porque é um fraco.
Conhece suas limitações emocionais e padece de inveja dos que são verdadeiramente independentes.
Tenta incorporar suas atitudes e até convence muita gente de sua independência.
Mas não engana a si mesmo.
Livro relacionado ao assunto: A Liberdade Possível
Por: Flávio Gikovate
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